Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Mais pobres foram mais atingidos pela crise; para eles, problema ainda não acabou

Foi essa a população do país que sentiu os efeitos mais severos da fraqueza econômica do país

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Durante anos, o Brasil foi líder mundial em matéria de crescimento inclusivo: entre 2004 e 2012, a renda dos 40% mais pobres aumentou a uma taxa média de 7,6% ao ano no país. Nesse mesmo período, o crescimento do número de empregos foi de quase 2% ao ano e, a partir de 2007, a maioria dos novos empregos surgia no setor formal. Ao mesmo tempo, os programas de proteção social direcionados a públicos específicos foram ampliados, incluindo 13,9 milhões de famílias no Programa Bolsa Família.
 
A recente crise aumentou em 6,5 milhões o número de brasileiros desempregados até 2017 e fez com que 17 estados perdessem o acesso a crédito com garantias federais; milhões de famílias brasileiras se esforçam para sobreviver à medida que sua situação se deteriora. A boa notícia é que a recuperação da economia, embora lenta, tem começado a melhorar as condições de emprego e a renda de milhões de famílias brasileiras. A má notícia é que essa recuperação tem sido desigual; para os mais pobres, a crise ainda não acabou.

Foi a população mais pobre do país que sentiu os efeitos mais severos da crise. Consideremos o que ocorreu com a renda dos 40% mais pobres da população (que vivem com menos de R$ 654 por mês, por pessoa). Sua renda média caiu 9,5% entre 2014 e 2016, em comparação à redução de 4,8% na média brasileira; além disso, sua renda cresceu apenas 1% entre 2016 e 2018, em comparação a 5,3% na média brasileira (Figura 1). A partir de 2018, o brasileiro médio havia se recuperado totalmente da crise, mas entre os 40% mais pobres a média possuía renda 8,6% menor do que em 2014 –uma queda na renda mensal per capita de R$ 373 em 2014 para R$ 341 em 2018, em termos reais.

Essa situação levou ao aumento do número de famílias vivendo na pobreza. Em 2018, 16,9 milhões de brasileiros viviam com menos de R$ 178 por mês, por pessoa (esse é o limite para as famílias com crianças receberem o benefício do Bolsa Família, além de ser um indicador indireto –e amplamente utilizado– da pobreza). Esse número representa 8,1% da população. O tamanho desse grupo, que já agregou mais de 5 milhões de pessoas desde 2014, ainda não começou a diminuir, embora a renda já dê sinais de recuperação. Em comparação, entre 2016 e 2018, 2,5 milhões de pessoas saíram da população que vive com menos de meio salário mínimo per capita (R$ 477). Assim como a diferença de renda mencionada acima, essas tendências divergentes mostram que quem está nos níveis mais baixos da distribuição de renda não foi beneficiado pela recuperação da economia.
 
Um dos principais motivos da divergência entre essas tendências é a forma como a crise impactou o desemprego. Primeiro, mais de 2,5 milhões de empregos deixaram de existir durante a crise, com o número de desempregados aumentando para 11,8 milhões em 2016 (comparado a 6,7 milhões em 2014). As taxas de desemprego sempre foram mais altas entre os 40% mais pobres, em grande parte devido à baixa escolaridade, mas a crise exacerbou essa diferença. Em 2014, a taxa de desemprego era de 11,5% para os trabalhadores não qualificados (adultos com ensino médio incompleto) e de 3,4% para os trabalhadores qualificados (com diploma universitário); em 2016, as taxas haviam aumentado para 21,6% e 5,7%, respectivamente. Agora, anos após o início da recuperação econômica, essas taxas de desemprego permanecem praticamente inalteradas, em 20,5% e 6,1% respectivamente.

 

 Existem mais de 12,5 milhões de desempregados no Brasil; a maioria é jovem ou tem baixa escolaridade e milhões estão subempregados ou desalentados. No futuro, reverter o impacto da crise sobre os brasileiros mais pobres exigirá mais crescimento econômico, o que se traduz em mais empregos de melhor qualidade. É fundamental aumentar a oferta de empregos para os jovens, que são os que sofrem com as maiores taxas de desemprego (27,3% no primeiro trimestre de 2019). 
 
Enquanto isso, pode ser necessário prestar apoio de curto prazo àqueles que ainda sofrem com a crise - incluindo pessoas desempregadas e sem acesso a seguro-desemprego / FGTS.  Prestar esse apoio por meio de medidas que visem a estimulação de emprego é importante. Os programas de assistência social continuam sendo a melhor ferramenta para os segmentos mais pobres da população.  Permitir a expansão da cobertura das transferências direcionadas para as famílias que caíram abaixo da linha da pobreza pode ajudar a manter o investimento em capital humano e aliviar a pobreza. Isso seria possível com o espaço fiscal gerado pela reformulação de programas de gasto social não tão efetivos, onde há sobreposição de função e cobertura. Priorizar políticas contra cíclicas e melhorar a gestão fiscal ajudaria a aliviar a pobreza e a desigualdade e a reativar o crescimento econômico no Brasil.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Liliana do Couto Sousa, economista sênior do Banco Mundial

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